O que o Teatro pode fazer pela Educação?
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Dinho Valladares é mineiro de Belo Horizonte, ator, dramaturgo, diretor e professor de teatro. É formado em Economia pela PUC-MG (1988) e pós-graduado em Teatro Musicado pela UniRio (1991) e Mestre em Teatro (1998). Como diretor montou a Companhia de Teatro Contemporâneo em 1998 e já dirigiu mais de vinde espetáculos como "Adorável Hamlet", "Adoráveis Romeu e Julieta" e "Adorável Ricardo III". Como autor já escreveu 15 peças que já foram à cena. Como ator participou de mais de 30 montagens, entre as quais se destacam "Jango, uma Tragédya" de Glauber Rocha e "Uma Rosa para Hitler" de Roberto Vignati. Professore de teatro, lecionou n'O Tablado, na Universidade Veiga de Almeida e na Universidade Federal Fluminense (UFF), além da própria Cia de Teatro Contemporâneo, onde ministra aulas há quinze anos seguidos. Administrou o Mercado São José das Artes e integra a equipe de organizadores na Internet do Fórum Virtual de Teatro Brasileiro. Website: http://www.dinhovalladares.com.br
Afinal, quem faz teatro tem mais jogo de cintura? Sabe lidar melhor com as situações do dia a dia? E em sala de aula? Será que professores e alunos podem se beneficiar com aulas de teatro e improvisação para desenvolver a inteligência interpessoal de que tanto precisamos - para apresentar trabalhos, para interação em grupo, para conquistar a atenção de uma plateia de alunos, colegas ou superiores?
Entrevista com Dinho Valladares
Êxito na Educação – Dinho, você ministra cursos de teatro há vários anos – cursos livres e também o Profissionalizante aqui na Cia de Teatro Contemporâneo. Conte um pouco sobre a tua experiência como docente, formando novos atores.
Dinho Valladares – O Curso, aqui na Companhia, é derivado dessa minha experiência. Comecei dando aula lá no Glaucio Gil – a Companhia estava ocupando o Glaucio durante um certo tempo e montamos lá vários cursos livres. Durante essa experiência também dei aulas no Tablado, na UFF (Universidade Federal Fluminense) no Curso de Produção Cultural e as turmas foram crescendo tanto lá no Glaucio que viemos pra cá com alguns desses grupos e fundamos a sede da Cia. Aliás, toda a sede foi pintada e azulejada por alunos que vieram ajudar. A partir daí desenvolvemos peças e técnicas teatrais, fazendo festivais de teatro – inclusive o de Improviso que estamos realizando todos os anos.
Êxito na Educação – Além de formar atores, o que a experiência do Teatro pode proporcionar às pessoas?
Dinho Valladares – Depois que criamos o Curso Profissionalizante – que desenvolveu bastante a Cia – recebendo pessoas bem empolgadas, que queriam seguir carreira e que se dedicavam de modo mais focado no Teatro. Eu penso que o curso de teatro como um todo, transforma a vida das pessoas – e não apenas para essas pessoas que buscam a profissionalização, mas para as que desejam viver uma experiência com o Teatro. O teatro permite ao ser humano se expressar, se abrir, conhecer a si mesmo e aos outros, começando pelos colegas de turma. Falamos muito no desenvolvimento pessoal, mas através do teatro se amplia seu conhecimento do outro, do público que assiste ao espetáculo e que, a partir desse momento, permite que o ator se perceba, que observe como anda, como mexe o braço, como ri, como se expõe na frente das pessoas,. Passa a observar como se dá sua expressão, sua voz, se costuma dizer muitos “nãos” ou muitos “sim” para a vida. Você começa a se descobrir com o Teatro, descobrir como você realmente é, e como você é em sua relação com o outro.
Êxito na Educação – Nesta perspectiva, então, podemos dizer que o improviso ou a improvisação como modalidade de teatro (o teatro esportivo) pode trazer benefícios aumentando, digamos, o “jogo de cintura” na vida?
Dinho Valladares – Com certeza! O improviso é você no palco, sem texto, sem marca, sem nada. É a plena expressão da sua criatividade, pois é preciso responder ali, a cada momento, às situações novas, inesperadas. É aprender a trabalhar com o imprevisto, como na vida – com suas relações pessoais, com seu relacionamento amoroso e também profissional – é você no agora, no presente, jogando com seu parceiro para desenvolver uma história que nunca foi contada, procurando argumentos e elementos que possam construir aquela narrativa da melhor forma possível. Então é um exercício para sua vida, de como raciocinar e responder no presente e no futuro. Eu diria que é a melhor alternativa de desenvolvimento do ser humano no contemporâneo.
Êxito na Educação – Nesta perspectiva, quais as ligações entre o Teatro e a Educação? Como tudo isso pode ajudar na escola – tanto para professores quanto para alunos?
Dinho Valladares – Na minha opinião a Cultura está intimamente ligada à Educação. E a Educação não é apenas uma transmissão de saber, pois não basta trabalhar o saber do ser humano, mas trabalhar o ser humano. Não basta que a pessoa tenha acumulado saber, mas é preciso desenvolver sua criatividade para que ela possa ultrapassar esse saber adquirido, criando novas ideias e novos caminhos para o saber. Por exemplo, às vezes temos aquela pessoa sem muitos conhecimentos, sem muito saber, mas que encara uma situação inesperada e responde com criatividade e encontra uma saída, enquanto outra, muito sábia e cheia de informações, empaca e não sabe o que e como fazer para lidar com uma determinada situação. Isso é o que vemos acontecer muito em relação à improvisação. Penso que o teatro e a improvisação permitem transformar a forma estanque, estática, do conhecimento em algo dinâmico – e desta forma é que pode contribuir com a Educação.
Êxito na Educação – O mundo do trabalho se transformou de tal modo, que hoje os educadores preparam crianças e jovens para um mercado de trabalho que os educadores sequer imaginam como será, de tão dinâmico é o processo de mudança. O Teatro pode reduzir tamanha insegurança e instabilidade?
Dinho Valladares – O que acredito em termos de Teatro é no desenvolvimento interpessoal do ser humano. Então, o Teatro pode ajudar o indivíduo a se apresentar melhor em público, sobretudo se lembrarmos que as empresas estão mais focadas em desenvolvimento de projetos, o que exige do profissional que defenda ideias em grupos de trabalho – de modo que o projeto pode ser melhor comunicado e defendido se o profissional souber como se expressar e se colocar em grupo, o que o teatro pode ajudar e bastante. Em todos os aspectos da comunicação interpessoal, na vida profissional e em todos os demais relacionamentos, o teatro pode te ajudar a melhor se expressar e comunicar com seus colegas de trabalho, o que também é uma vantagem competitiva e vai além do saber técnico, pois diz respeito ao aspecto humano do desenvolvimento. O jogo e a troca no teatro, assim como na vida, nada mais são do que pessoas frente a outras numa dinâmica de expressão, de comunicação.
Êxito na Educação - O projeto Teatro-Empresa da Cia seria um exemplo disto? Como vem sendo desenvolvido essa proposta de trabalho? Como o Teatro ajuda esses profissionais?
Dinho Valladares – Ajuda em tudo. Tomando como exemplo o trabalhos que fizemos com os garçons aqui do Pólo Gastronômico de Botafogo, o cartão de visitas de um restaurante é o seu garçon, ele representa o seu atendimento, antes mesmo do cliente provar a comida. Se esse contato for bom, agradável, o cliente já se predispõe a apreciar, a gostar da comida que será servida. Se o contato for ruim, o cliente já começa a procurar defeitos no ambiente, na comida, em tudo. Por outro lado, o garçon desenvolvendo sua capacidade de relacionar-se bem, inclusive com seus colegas e superiores no restaurante, passa a viver com menos estresse. Aqui no Pólo usamos o famoso slogan do Profeta Gentileza que diz “Gentileza gera gentileza”. Se você for gentil com o cliente, ele será gentil com você. Mesmo com a casa cheia de clientes e a cozinha sobrecarregada de pedidos é possível manter um alto nível de resposta positiva. Oferecemos a esses garçons a oportunidade de subir num palco e viver experiências – além de pequenos truques de mágica - que ajudam em seus relacionamentos interpessoais e profissionais, tornando-os mais leves, divertidos, atraentes. Mostramos a eles que falar, gesticular e se comportar de uma forma diferente, ampliando o repertório expressivo de cada um, podia fazer a diferença.
Êxito na Educação - “Tem gente que não vê saída, eu improviso” Comente essa frase que volta e meia vemos em camisetas aqui na Cia de Teatro.
Dinho Valladares – Muitas pessoas nos procuravam aqui na Sede da Cia com problemas emocionais, de depressão etc e como já dissemos lá atrás, a improvisação é a capacidade de viver a vida de uma forma diferente. Então, ao fazer um curso de teatro ou de improvisação, essas pessoas começaram a ter a possibilidade de ver seus problemas de uma outra perspectiva. Qualquer um pode ver solução onde antes não havia, entender que nada é definitivo, que tudo pode ser mudado a cada segundo, dependendo do seu referencial e das escolhas que fazemos.
Êxito na Educação – Agora uma provocação que ouvimos de uma professora que disse “Tem gente que improvisa, eu estudo”. Claro que neste caso o improviso tem aqui o sentido de não se preparar. Sabendo que para improvisar é preciso muito treino (?!), como resolver este aparente paradoxo? Como ajudar professores e alunos a lidarem com as inúmeras dificuldades por que passa a Educação e a carreira docente no Brasil?
Dinho Valladares - Na frase desta professora, o improviso está ligado à ideia de pessoas sem preparo que encaram uma prova, por exemplo, e, em geral, se dão mal. Claro que é preciso estudar, se preparar, até para improvisar é preciso treino. O improvisar no sentido que colocamos é para quem tem o conhecimento mas ainda enxerga barreiras que acredita serem intransponíveis, ou seja, que não enxerga saídas onde elas, na verdade, existem. Trata-se de fazer novas ligações entre velhas informações, conhecimentos. Isso é uma tecnologia do futuro. Inovar é construir pontes entre saberes que antes não existiam. O improviso nada mais é do que um conjunto de técnicas para desenvolvimento da criatividade, da resposta criativa a situações inesperadas, não planejadas. Quando falamos, por exemplo, em empreendedorismo – que significa atuar onde ninguém atuou ainda, ou seja, encontrar ou construir seu lugar no mercado – isso me lembra de uma frase do Walt Disney que dizia “Eu procuro o impossível, pois lá a concorrência é menor”. Se os professores conseguirem improvisar para além dos conhecimentos cristalizados que são passados aos alunos e cobrados pelo Estado e encontrarem formas novas de ensinar e aprender, acredito que a Educação possa encontrar saídas onde hoje só enxerga problemas. Improvisar é tentar o impossível, o inexplorado, ir onde ninguém vai, como no poema de José Régio, o Cântico Negro que diz “Não sei por onde vou,/Não sei para onde vou/- Sei que não vou por aí!”.
Entrevista com Dinho Valladares, concedida a Gabriel Wasserman na sede da Cia de Teatro Contemporâneo em 25/09/2013.